EDITORIAL: A vocação para contrariar vocações

(Ou: falta foco para existir o verdadeiro Turismo Receptivo em Pindamonhangaba)

VOCAÇÃO

Primeiro, segundo o Dicionário Online Priberam de Português Contemporâneo, o verbete origina-se do latim vocatio, - onis, e é substantivo feminino identificando, em seu primeiro significado, “inclinação que se sente por alguma coisa. = propensão, tendência”.

USO DO TERMO

O termo é utilizado pelo GAMT – Grupo Técnico de Análise dos Municípios Turísticos – GAMT em seu parecer de nº 019/2021 ao identificar o município de Pindamonhangaba com a “expressiva vocação para o Turismo Cultural, com importante patrimônio histórico, como o Palacete Visconde de Palmeira, Palácio Dez de Julho, Museu Histórico; e o Turismo Rural com várias propriedades rurais. Agregam a estes segmentos, o Turismo de Aventura com paraquedismo, paraglider, escalada; e o Turismo Religioso como a Fazenda Nova Gokula”.

Fundamentalmente, considerando-se esse perfil analisado por técnicos de reconhecido saber, notável é o disparate de serem realizados meros e dispendiosos eventos com apelos na praia gastronômica os quais, definitivamente, não contemplam a efetiva movimentação da economia criativa e participação dos autênticos produtores locais. 

FALTA DE FOCO NO PLANEJAMENTO

É comum, nas realizações desenvolvidas pela gestão do turismo pindamonhangabense, a ostentação de enormes tendas, um sem número de faixas, folheteria e anúncios digitais focando cada evento e contemplando, na maior parte das vezes, a “invasão” de “estrangeiros” fornecedores de algum tipo de gastronomia e deixando sobras de espaços aos ambulantes locais.

Verdadeiramente o turismo gastronômico local não é destaque por seus pratos tradicionais. A exemplo de muitos municípios da região, Pindamonhangaba não tem oficialmente um “prato típico” a ser divulgado.

Simplesmente por serem os food trucks “convidados” um prato cheio aos olhos de quem os programa.

Se a vocação primeira de Pindamonhangaba, na régua do GAMT, é definida pelo Turismo Cultural, por qual motivo as autoridades e os Conselhos Municipais de Turismo e Cultura não se manifestam atuantes no intuito de fazerem prevalecer essa vocação?

Falta de oportunidade, projetos, conhecimentos? Ou basta apenas apoiar a “coisa pronta”?

Recentemente um vereador da cidade manifestou-se interessado em ações de melhorias para o Mercado Municipal. Enquanto isso a Igreja São José da Vila Real de Pindamonhangaba só passou por uma sessão de maquiagem por conta dos pouquíssimos festejos do Bicentenário da Independência.

A Igreja São José é patrimônio tombado, praticamente caído no esquecimento e ruindo aos poucos, estruturalmente, haja vista não haver real interesse das partes envolvidas na responsabilidade pela restauração.

O paliativo político pode acabar com o patrimônio histórico, base da cultura de um povo.

Pelo menos nada se publica a respeito da restauração do templo onde se abriga parte da história da nossa Independência por conter, mesmo simbolicamente, restos mortais de membros da Guarda Imperial presente ao Ipiranga.

EXEMPLO DE MAQUIAGEM 

A cidade disputou o prêmio Top Destinos Turísticos 2023 na categoria “Turismo de Aventura”, ficando apenas como finalista e não campeã. Notem prezados leitores ser essa a categoria relacionada em terceiro lugar pelos técnicos da Secretaria de Turismo e Viagens do Estado de São Paulo.

Nem com o Turismo Rural, possível segunda opção, houve a preocupação em se tentar algum melhor resultado no Top Destinos. Simplesmente por não haver contexto de atuação oficial para o incentivo dessa categoria e o fomento de sua presença como destino turístico. A agricultura familiar parece não existir aos olhos da administração.

MERAS PALAVRAS

Aventurar-se num discurso de querer mostrar a cidade de um modo não real, exageradamente maquiado em discursos e ações é querer iludir a uma população já carente de respeito.

As falas, em todos os meios usados para comunicação oficial, são formatadas para engradecer pessoas e não o coletivo. Esse é o modo de gestão de quem deseja tão somente se manter no poder, mesmo sem o merecimento viável.

É muito comum, na fala de pessoas públicas, a citação bíblica a respeito do merecimento de estar no poder (Romanos13:1-2). Na verdade, a Palavra lá está contida para ser observada e/ou refletida e não para ser desvirtuada em justificativas pessoais.

VALORES “NÃO VALORIZADOS”

Uma literatura publicada pelo Ministério do Turismo destaca a premissa do Turismo Cultural: “Valorização e promoção dos bens materiais e imateriais da cultura - A utilização turística dos bens culturais pressupõe sua valorização, promoção e a manutenção de sua dinâmica e permanência no tempo como símbolos de memória e de identidade. Valorizar e promover significam difundir o conhecimento sobre esses bens, facilitar seu acesso e usufruto a moradores e turistas. Significam também reconhecer a importância da cultura na relação turista e comunidade local, aportando os meios necessários para que essa convivência ocorra em harmonia e em benefício de ambos”. (Turismo Cultural: orientações básicas. / Ministério do Turismo, Secretaria Nacional de Políticas de Turismo, Departamento de Estruturação, Articulação e Ordenamento Turístico, Coordenação-Geral de Segmentação. – 3. ed.- Brasília: Ministério do Turismo, 2010).

TURISMO AVENTUREIRO

Para fechar: colecionar certificados de participação em eventos não estabelece a nenhum gestor municipal de turismo a condição de estar no caminho certo. Muito menos vestir e distribuir camisetas propagando turismo.

Pelo contrário: aventurar-se em ações de auto promoção não é o ideal para quem administra a cidade e a deseja classificada como MIT-Município de Interesse Turístico. (Lembrando, a tempo, estar em andamento o planejamento para novo formato de ranqueamento).

Aliás, parece ser essa a vocação dos bibelôs na prateleira dos cargos comissionados: só enfeite, sem nenhum resultado merecedor de autêntica nota de aplauso.

Como diria um querido amigo meu: “os cadáveres da incompetência e da soberba passarão sob a ponte, mais tempo ou menos tempo, deixando suas imprestáveis obras para trás”.

Vejo assim.

Marcos Ivan de Carvalho, jornalista independente especializado em Turismo, ME91.207/SP, publicitário ME6631/SP, gestor de Turismo pelo MTur/ME/IRFRJ.

Comentários